Quando a gente não sabe por onde começar é porque tanto faz.
Vou pelo que é objetivo porque me parece mais fácil.
Alerta para todas as famílias de autistas que fazem uso de plano ou seguro saúde e possuem laudo com prescrição de terapia ABA (sigla gringa para “análise do comportamento aplicada”; behaviorismo; Skinner e todos os problemas que vêm junto, mas não vou tratar disso agora): a ANS emitiu um parecer técnico (nº 39, de 30/08/24) que desobriga os planos a custearem terapia ABA realizada em outro ambiente que não a clínica.
Tradução: a ANS, pau mandado dos planos, na prática, acabou com a terapia ABA. Para explicar o mínimo, pois tudo no meu corpo dói neste exato momento - e eu escrevo para aliviar a dor, acreditem - ABA se faz nos diversos ambientes que o(a) autista frequenta. A ideia é que a terapia aconteça em casa, na escola, no parquinho e por aí vai. Também ocorre na clínica, mas é uma parte muito pequena.
É por isso (também) que as prescrições são de muitas horas quando se fala de ABA. Só para acompanhar a criança metade de um turno na escola todos os dias, por exemplo, já são 10 horas. Agora, pegue essas 10 horas e jogue para a clínica. Some às 5 horas de terapia domiciliar e jogue para a clínica. Bem, não vai ficar difícil chamar ABA de… manicomial.
Então, se vocês voltarem aí umas duas news, vão perceber que não precisa ser adepta de conspirações para começar a desconfiar que, intencionalmente ou não (porque a intenção pode servir muito bem às religiões, mas à política, ela não diz nada, meu amor), há uma concertação contra a terapia ABA que passa por caracterizá-la como manicomial.
A batalha em um front é cansativa, em dois, é mortal. E é isso que temos para hoje no lindo mundo azul dos autismos. Para dentro, autistas nível 1 de suporte, articulados, com altas habilidades, adultos, que falam por si próprios e falam muito bem, denunciam a ABA como normalizadora. Para fora, os planos de saúde não querem bancar a ABA (é cara mesmo). Juntos, eles dizem estar preocupados com os outros, com os direitos humanos dos outros, já que a realidade da ABA não cabe a nenhum deles.
No meio disso, estamos todas as famílias, minto, estamos as mães das pessoas autistas nível 2 e 3 de suporte, que não falam por si, que não são articuladas, que tem prescrição de ABA no laudo, que não podem bancar se não for por meio do plano de saúde, que não encontram ABA no SUS, e que acham mais adequado, já que alguém tem que falar por seus filhos, que sejamos nós, e não os autistas nível 1 de suporte, muito menos os planos.
[Existem coisas que não posso dizer aqui sobre a carga horária das terapias porque não sou piromaníaca. Mas saibam que entre o laudo e o exercício da prescrição existe algo como uma… distância].
Eu poderia dizer que tenho chorado todos os dias porque esse cenário é desolador que anuncia um novo round, talvez, pior do que foi a luta contra o rol taxativo. Mas seria falso. Não é “só” isso.
E eu também não vou saber dizer o que é porque eu, simplesmente, preciso chorar todos os dias. Tem dias que é quando acordo, tem dias que é na volta de alguma terapia, tem dias que é na ida. Às vezes, é no banho. Claro, muitas vezes, é escrevendo.
Antes que alguém me responda “você está deprimida”, eu já vou logo dizendo que sim e não.
Sim, porque essa é a resposta mais fácil.
E não. Porque pensando bem…
Qual a CID de alguém que perdeu toda perspectiva profissional, passa horas e horas dos seus dias em clínicas, não vê o tal “salto” que as terapias supostamente produziriam no desenvolvimento do filho com deficiência, está com o metabolismo todo desregulado, vive com medo da precariedade material, tem que litigar na justiça contra o genitor do filho e o plano de saúde ao mesmo tempo, não vai ao cinema, não janta fora, não vai a um show, não viaja, e não está deprimida? Porque, sim, a grande questão neste cenário não é estar deprimida, o estranho, o patológico, o bizarro, seria não estar.
Foi assim que decidi não embrulhar meu choro numa receita médica. Resolvi deixar fluir, jorrar, desprender-se de mim, sem nem me ocupar da hora ou do lugar. Entendi que meu choro não vem “do nada” como se diz do choro das pessoas deprimidas (desconfio que o delas também não venha e acho estranho que se fale assim). É chato e inconveniente, de vez em quando, óbvio. Para quem usa maquiagem deve ser mais difícil. Felizmente, não é meu caso.
Compreendi esses dias que tomar remédio para não chorar não me cabe. Caso alguma outra coisa me ocorra, não tenho nada contra drogas também, nem as da indústria farmacêutica. Tomarei o necessário caso não consiga levantar da cama, caso perca o ânimo de escrever. Mas chorar, minha gente, é como na música, eu vou. Faz parte dessa solidão.
Eu não consigo acreditar no que acabo de ler... Estou aguardando o julgamento da apelação contra o plano, que alegou ter condições de oferecer as terapias todas pela rede credenciada - com carga horária e profissionais devidamente certficados de acordo com a prescrição do médico - mas que na prática NÃO TEM! Tive que me contentar com uma clínica credenciada que só tem vaga para 3h semanais das 30 prescritas. Estava confiante que sairíamos vitoriosos no julgamento da apelação e que meu filho voltaria a fazer as terapias em casa, reembolsadas... Que tragédia! Por essas e outras sou totalmente contra empacotar tudo quanto é tipo de gente num laudo de TEA, lastimável o desserviço daquela turma do dossiê, esse é só o primeiro desdobramento (não acredito em coincidência). Enfim... entendo muito e sou muito, muito solidária à sua dor, nossas histórias se assemelham tanto e em tantos aspectos... mas considere um tratamento medicamentoso para conseguir lidar com essa carga, que é pesadíssima. Não fossem os antidepressivos e ansiolíticos eu nem estaria aqui pra escrever essas linhas...
Chorar desestressa pq o cortisol sai nas lágrimas, eu gosto muito de chorar, alivia a vida!
Mas você passa por tudo isso sem tomar remédio algum? Como consegue? Eu tomando dois não estou dando conta!!!