Não sei de onde vem a associação de pessoas com deficiência com pinguins. Talvez seja por causa do Happy Feet (2006), talvez seja porque pinguins são aves que não voam, mas nadam muito bem, talvez seja por alguma outra razão, mas tanto na série Atypical, quanto na série polonesa As mães dos pinguins, a associação é explícita. Aliás, nos dois casos, são séries cuja deficiência central em debate é o autismo.
Pelo jeito que terminou o sexto episódio, acredito que não é uma série de uma temporada só, mas cansei de ver série boa cancelada pela Netflix, então, vai saber. E, apesar de um tanto de coisa que me incomodou aqui ou ali, sim, essa é uma série sobre autismo que considero boa.
Logo de cara já vou deixando qualquer isenção de lado para dizer que gostei da série porque é a primeira vez que vejo as mães atípicas em primeiro plano na trama. Apesar das crianças com deficiência estarem na série, o roteiro é sobre a maternidade.
A personagem central é uma mãe solo em negação quanto ao diagnóstico de autismo de seu filho e sua principal razão para isso me toca profundamente: encarar o diagnóstico parecia ser o fim da sua carreira, uma carreira de lutadora de MMA, na qual a mulher, simplesmente, era muito foda.
Mas todas as personagens coadjuvantes são mães ou pais atípicos com outras questões que, às vezes, nós vivemos em etapas, na vida real, ou em ondas, ou tudo misturado mesmo. E mesmo que você, mãe atípica, não tenha vivido exatamente o que todas as mães da série passam, você reconhece ali as mães das clínicas, das escolas, do instagram.
Eu não me lembro de já ter visto uma série polonesa e fiquei surpresa como, realmente, o vocabulário do autismo se globalizou. Não, eu não entendo bulhufas de polonês é que, por mais estranho que pareça, algumas coisas, é possível entender mesmo sendo analfabeta no idioma. Não me perguntem como.
O que eu menos gostei na série foi realmente a caracterização do menino autista. Nada a ver com o pequeno ator, que é ótimo. É o personagem que é mal desenhado mesmo. Tudo que ele faz ou diz tem uma explicação plausível, até mesmo sua ecolalia entra nos diálogos de uma maneira que faz total sentido.
Por favor, né, gente? Por mais que terapeutas insistam que comportamentos de autistas nunca são “do nada”, mas a gente sabe que por uma série de condições, muitas vezes o comportamento acontece e fica perdido, sem explicação e sem contexto mesmo. Aqui em casa, eu ainda não tenho clareza, mas acho que Zé tem um delay de emoções e muitas vezes tem uns choros ou ataques de raiva “do nada” por algo que já passou faz algum tempo.
Mas voltando aos pontos altos da série, tem um momento que vale ouro, pela coragem de ter sido colocado como fala de uma mãe cujo amor pela filha com deficiência não está em questão na trama: a discussão sobre o aborto. É de deixar o coração miúdo quando essa mãe assume que se tivesse sabido da deficiência da filha na gestação, provavelmente, teria abortado, mas que estava muito feliz em não ter sabido porque a filha era a melhor coisa que tinha acontecido na sua vida.
Teria valido assistir só por essa cena, por trazer a ambiguidade do amor, da dor, da renúncia, da reinvenção, da morte, do renascimento que mareiam a maternidade atípica e da qual quase não se ouve falar. As redes sociais de mães atípicas são só sobre lição, superação, devoção… Chega dá agonia. A série colocou no roteiro uma questão - “e se você pudesse escolher?”- porque a ficção tem esse poder de questionar o que na vida ninguém está em condições de falar.
Ah, claro! Tem um outro motivo que, isoladamente, também valeria a série: ela não dá um minuto de sossego para macho hétero. É uma maravilha, o melhorzinho de todos deixa a mãe se lascar atrás de escola para o filho e aparece, no máximo, dando palpite, opinião, quem vê, pensa que é um tio distante. Ou seja, praticamente um documentário nesse aspecto.
Outras questões muito foda ainda atravessam a série quase como se fossem leves, quando na verdade pesam toneladas. Uma delas é até que ponto insistir no desenvolvimento e a partir de onde/quando respeitar que se chegou a um limite? Eu penso nisso quase todos os dias. O que é expectativa minha e o que é, de fato, que Zé pode e precisa?
Enfim, assistam a série e me digam o que acharam, se quiserem.
Sorria e acene!
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Eu tava me perguntando se assistia, e agora tenho minha resposta! Já entrou na lista. Tomara que não seja cancelada.
Sabe que a Lara também tem esse delay emotivo? "Do nada" ela começa a chorar, muito sentida, e só depois que se acalma me diz (do jeito dela) que é porque, sei lá, fez exame de sangue semana passada, sabe? Ela fica revivendo várias coisas que aconteceram e aquelas que ela "não sentiu" muito no momento, ela sente muito depois.
A pergunta "e se eu pudesse ter escolhido?" foi protagonista em várias sessões de terapias minhas. Que bom ter isso em uma série, porque esse questionamento passa na nossa cabeça uma hora ou outra, às vezes fica tempo demais. Faz eu me sentir menos sozinha um pouco.
Adorei ter esses spoilers! Gratidão. Pois como toda mãe de autista já recebi mais de 200 vezes a famigerada lista de 100 filmes e séries para aprender sobre autismo da qual se uma prestar ....eu adoro Atypical porque eu amo como a disfuncionalidade familiar é colocada. E eu amo aquela mãe kkkk