Entre meu último texto e esse, uma vida se passou. Mas como um espírito que carrega memórias de outras vidas, chego aqui hoje para dizer que o autismo de Benjamin é sindrômico, ou seja, secundário. Nesse pequeno tempo de newsletter, eu insisti tanto nesse assunto que até parecia adivinhar.
Recebemos há aproximadamente 48 horas o resultado do exoma, um exame caro, a que pouca gente tem acesso, e eu mesma só realizei porque o plano de saúde liberou. Foi um exame solicitado há mais de 02 anos e eu simplesmente posterguei porque precisava organizar prioridades. E as prioridades sempre foram as intervenções terapêuticas.
Então, só quando já estava com a equipe multidisciplinar formada e consistente, eu me voltei para essa busca genética do autismo. Essa busca também ficou em segundo plano porque tanto a neuro quanto o geneticista insistiam muito na necessidade dos exames genéticos em caso de gravidez futura, algo que absolutamente não é uma questão para mim. Não pretendo gerar mais ninguém aqui dentro. Aliás, acho que nem se quisesse… A idade chegou.
O fato de os dois primeiros exames - cariótipo em sangue periférico/x-frágil e microarray - não terem dado nenhuma alteração me deixaram descuidada. Assim, eu fiz o download do resultado do exoma no meio de um almoço e imediatamente perdi a fome. Por pouco, não vomitei.
Lá, constatou-se: “Foi identificada uma variante provavelmente patogênica, em heterozigose, no gene DEAF1, associado à Síndrome de Vulto-van Silfoutde Vries [OMIM:615828], de herança autossômica dominante”.
Resumidamente, é uma síndrome genética não-hereditária, ou seja, houve uma mutação no cromossomo 11 que é própria de Ben, não é minha, nem do pai. O autismo decorre dessa mutação, mas não é só. Associadas à síndrome estão: epilepsia, apraxia global/da fala, severa dificuldade de linguagem expressiva e deficiência intelectual.
Óbvio que eu desabei. Um diagnóstico genético parece uma sentença de morte, ainda mais com esse prognóstico. No Brasil, existem, com Ben, 20 casos documentados. Ele é o caçula, tanto em termos diagnósticos quanto de idade. Sim, já existe um grupo de mães, um instituto, dos quais falarei com o tempo.
Depois do pânico inicial, descobri, no entanto, que entre esses 20 casos, há uma grande variedade de autismos: verbal, não verbal, epiléticos, não epiléticos, com apraxia, sem apraxia, ou seja, tudo que já existia antes no meu universo de conhecimentos sobre autismo e de possibilidades/probabilidades para Ben.
Fui me acalmando (ok, o clonazepam fez sua parte).
Estima-se que nos EUA, as pessoas com mutação no DEAF1 sejam, hoje, 300. Então, imaginem, nem mesmo no país com maior acúmulo sobre autismos, a Síndrome Vulto-van Silfout-de Vries é bem conhecida. Baixa testagem ou baixa incidência? Não sabemos. Em geral, o diagnóstico de autismo não chega ao exoma, além das razões financeiras, por ausência de conhecimento e divulgação mesmo.
Para complicar um pouco mais, cada uma dessas mutações no DEAF1 se dá de um jeito. A de Ben é no íntron 10 do gene. Ora, durante um tempo, essa região - íntron - era considerada o “lixo” do DNA, tanto que o exame se chama “exoma”, que vem de exon, a região do gene onde fica a versão final da molécula de mRNA. Muito em tese, um problema no íntron não deveria ser grave, já que ele não guarda a versão final da proteína. No entanto, vem se descobrindo que talvez não seja bem assim… E cá estamos nós.
Existem muitos outros detalhes que irei contando aos poucos, até porque um laudo complementar deve sair em 35 dias e é importante saber o que ele dirá. Mas, até aqui, o que me parece é que dei uma volta ao mundo em 2 dias, derrotando, de lavada, Júlio Verne.
Descobrir a origem genética é importante, mas nesse momento, tem pouca influência cotidiana. Estou um pouco tensa com a propensão à epilepsia? Sim. Mas esse risco já existia, embora numa porcentagem menor (em geral, 30% dos autistas desenvolvem epilepsia e, agora, estamos com um risco que parece ser de 50%, no Brasil, e 75%, nos EUA). Vou ter que conviver com isso e apostar minhas fichas no uso que já estamos fazendo de CBD e THC. E quem sabe, num pouco de fé.
Ah, é claro, a descoberta do autismo secundário de Ben reforça - com muita força - a minha hipótese de que TEA é um grande guarda-chuva para um monte de coisas (síndromes, mutações, etc) que desconhecemos e que, num futuro sei-lá-quando, será benéfico separar e investir nas diferenciações.
Talvez, eu fique uns dias sem escrever. O novo diagnóstico teve outro impacto. Comecei a me desesperar com o fim do pós-doc e, portanto, da minha única fonte de renda própria. Claro que não estou parada, estou buscando outro pós-doc, devo prestar o CNU e procuro vagas no terceiro setor, além de parcerias na advocacia, novos cursos, freelas. Mas como é tudo muito incerto, isso se misturou com o resultado do exoma e deu ruim aqui dentro. Bem ruim.
Eu volto. Não desistam de mim.
(EXTRA: a avó de Benjamin não se abalou nem por 1s com o resultado do exoma. Quem falha é transcrição de gene. A fé, não).
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