Estou escrevendo do celular, no escuro do quarto, enquanto Zé já dorme e eu não consigo.
Vem aí a tal “formatura do ABC” e, com ela, mil questões.
A primeira é que o evento é caríssimo, mais de 2 mil reais, e se eu não tenho ajuda do genitor para comprar material escolar, então, imaginem.
A segunda questão é mais dolorida: esse ritual de passagem faz sentido para Zé? Os coleguinhas dele já escrevem o próprio nome e lêem. Zé… bem, eu acho que não preciso explicar mais.
É claro que excluí-lo é ruim, mas incluir sem que ele entenda o que está fazendo ali? Formatura do quê?
A terceira questão é que nesses eventos “de família”, basicamente, contamos com minha mãe, eu, a acompanhante terapêutica e mais um casal de amigos, se muito. A gente é muito sozinho no mundo, a real é essa, e pagamos o ‘valor cheio’ como qualquer família grande. Claro, dá para vender os ingressos se alguém quiser comprar, mas é difícil porque já fica tudo muito caro, as famílias se contentam com seus convites. Os nossos sobram.
Aí, para completar, a maioria das famílias da escola preferiu fazer a festa em um salão de festas do que num teatro. Eu acho um salão de festas um troço tão sem personalidade se comparado a tudo que significa um teatro… teatro, aliás, que colocaria o orçamento para menos de 2 mil reais. Mas, assim, a decisão “combina” com o perfil das famílias de lá. Surpresa não é.
Isso sem falar de coisas como: fazer Zé entrar numa beca - sim, é possível, mas será um trabalho descomunal, como se eu estivesse precisando de mais um desses não remunerados e invisíveis. Chapéu? Nunca aceitou um na vida.
Por fim, estou razoavelmente traumatizada com o evento do final do ano passado, em que o fotógrafo disponível ficava lá tirando fotos e anotava o contato das famílias para depois oferecer algumas fotos por um preço X. Pois bem, o contato nunca veio. Eu sei que as fotos de Zé, nessas ocasiões que tem que “fazer pose” são difíceis; ele não olha, não se importa, e as fotos não saem no padrão das outras crianças. Ou seja, se eu entrar nessa de formatura, terei que contratar um fotógrafo de confiança, à parte, que sabe lidar com Zé. Ou me conformar em não ter registros, só selfie mesmo, do meu moto G.
Eu honestamente não sei o que fazer e me sinto perdida, sozinha, sobrecarregada.
É grave, simplesmente, não participar? Tenho a impressão que para uma criança típica não deve ser um drama muito grande; algumas não participam mesmo. Mas, para um autista, será que fica parecendo que a mãe está escondendo a criança? Ou não quer ter o trabalho todo (que é dobrado em relação a uma criança típica)?
Olha, esconder meu filho é coisa que jamais fiz, mas dizer que sinto disposição para todo esse trampo sozinha seria mentira
Enfim, gente, boa noite (se o Rivotril fizer efeito).
Obrigada por lerem meus textos nada construtivos.
***
Lembrete: essa newsletter é e sempre será gratuita. Caso deseje voluntariamente fortalecer minha escrita, você pode assinar um plano de R$ 10,00 por mês; R$ 100,00 por ano, ou fazer pix, a qualquer momento, de qualquer valor, para 79981565384 (celular). A meta atual é atingir 180 inscritos pagantes. Hoje, são 175, o que dá exatos R$ 1.611,65 mensais. Dê preferência à assinatura via plataforma do substack (debitada na sua fatura de cartão de crédito), caso pretenda contribuir regularmente para nos ajudar a atingir a meta. É só clicar no botão abaixo. Obrigada.
Esse ano, viajei a trabalho. Hospedagem compartilhada refeições e reuniões no mesmo hotel chique, com dezenas de semiconhecidos. Tive um gasto extra de refeições fora (vai ter autista pagando mais impostos [sobre consumo de alimentos! pqp] sim! pqp) pq era o único momento sozinha - e vi que senão não ia segurar o rojão. Último dia, fui entender como ia rolar a fala dos figurões + importantes, que tava gerando tanta euforia. Chefia explicou que as pessoas queriam estar ali pelo potencial de exposição, mas que eu não tinha que participar. O que pra muitos ali seria a perda de uma grande oportunidade, pra mim foi um grandecíssimo alívio.
Suponho que cada refeição compartilhada minha seja uma festinha do Ben. Junina, carnaval, natal, ele estava lá como os outros, mas com um desconforto inexistente para os outros. Muito provavelmente foi bacana pra ele, mas cansativo. Talvez não vestir a beca e ouvir orientação de fotógrafo X seja o trocar o almoço de chavões corporativos por um cochilinho dele. Pra quem só perderia a parte boa é triste, mas pra quem também se livra do desconforto é maior paz. Ele sabe que a mãe dele nunca o quis esconder e, se dessa vez ela quer se poupar do trabalhão, ótimo, afinal os dois podem se poupar juntos. ❤️
Acho suas razões totalmente legítimas. Evitar seu estresse emocional e financeiro vai ser muito melhor pra Zé e pra sua família do que bancar essa formalidade besta.