ensaiando e falhando
Não gosto de ficar muito tempo sem escrever. Sem dar vazão ao que se passa em mim, adoeço muito mais e mais rápido. Ocorre que quando você não pode falar sobre o que te aflige, uma escrita como a minha, des-literária (existe isso?), que só serve mesmo para colocar no mundo sensível um rodopio das ideias que, de outro modo, abreviaria minha chegada a um abismo arrebatador, desaparece. É o que tem me feito mais sumida daqui.
Meus dias têm se alternado entre as tarefas que vocês já conhecem de casa-escola-terapias de Zé e uma luta árdua para me manter conectada ao mundo que chamam de real. Nessa luta, os objetivos precisam ser diminuídos para serem não só executados, mas sentidos: acordar, tomar banho, passar um café, responder 2 emails, escrever esse texto minúsculo.
Zé anda mais irritado e eu não o culpo. A mãe dele tem estado ausente da vida, acho que ele sente. Os limites do comprometimento cognitivo dele cada vez são mais claros, e nem por isso, ele deixa de entender o que se passa comigo. Se não entender, sentir.
Eu queria muito escrever um texto sobre o que está acontecendo com o Benefício de Prestação Continuada, porque acho que as pessoas que me leem não vivem essa realidade e pouco sabem dela. Faltam-me forças, no entanto. As pessoas estão chegando para sacar seus benefícios, desde julho (talvez, antes), e encontrando suas contas bloqueadas porque o governo, com aprovação do congresso, resolveu fazer uma grande revisão das concessões. Sabem como é, esse grande e imenso falso problema brasileiro, que a classe média arrota com ares de superioridade, os ricos repetem com sorrisos cínicos, e os pobres se fodem como sempre: a corrupção. Estão bloqueando os BPCs mesmo sem aviso - e muitas vezes é considerada “aviso” a reclamação que a pessoa faz depois do bloqueio - para refazer perícias, provas de vida, cobrar documentos. Claro que não sou contra nada disso, mas sabemos que não é de fraudes no BPC que sofre o Brasil e que, ao instituir gratificações para trabalhadores do INSS que baterem metas de “revisão”, o que está em jogo não é regularizar nada, é cortar mesmo.
O assunto me dói. Fala-se muito pouco do empobrecimento de famílias de pessoas com deficiência e suas cuidadoras, na maioria dos casos, cuidadoras como eu, exclusivas, sem direito de viver e tampouco de morrer. Aliás, a pauperização das nossas famílias como infortúnio ou consequência naturalizada da deficiência é só mais um punhado de sal no solo de onde não gostariam que nascesse mais nada. E o simples fato de isso não ser assunto entre as pessoas com quem eu semi-convivo (eu já não convivo com ninguém, para ser honesta, vida social é uma noção estranha) ou acompanho nas redes e na mídia, já torna minha dissociação com o mundo ao redor mais profunda.
Esse texto foi interrompido por uma crise de Zé. Ele queria muito brincar com uma garrafa de vidro e, na sequência, com a de azeite. Os 2 nãos seguidos o levaram ao vômito e à autoagressão (algo que quase não existia e se intensificou no último ano). Não desejo a ninguém ver um filho se autoagredir.
Já não há como continuar a escrita.
A gente se fala.


Aline, gostaria de deixar um abraço para você e dizer que compartilho da sua revolta. Eu sou assistente social, atualmente coordenadora de um CRAS, e o que essa revisão do BPC está fazendo com as pessoas - e famílias - com deficiência é desumano. Todos os dias recebemos pessoas desesperadas por conta dos bloqueios e, muitas vezes, nós mesmos não temos as orientações necessárias para auxiliá-los, além do sucateamento dos serviços e a falta de servidores, que geram o aumento da demanda de visitas domiciliares, por exemplo, para atualização do Cadastro Único de famílias unipessoais. Além disso, o novo critério de renda para acesso ao BPC, com a inclusão do valor do Bolsa Família no cálculo, é um enorme retrocesso na garantia de direitos e nós, trabalhadores da assistência social, estamos muito preocupados com as consequências dessas mudanças.
Essas medidas só me fazem ter certeza de que a intenção é o extermínio mesmo de pessoas. Um absurdo!!
Um grande abraço, Aline. E um cheirinho na cabeça de Zé.