Algumas coisas que aprendi estudando sobre CAA valem facilmente para quase qualquer coisa na vida. A que eu mais gosto (atualmente, talvez, depois, eu mude…) é a ideia de modelar sem exigir resposta. Ou seja, usar o instrumento de comunicação - tablet ou papel plastificado - para mostrar a Zé o que estou dizendo e o que quero dizer, mas sem esperar que ele responda como eu acho que deve ser.
É difícil, né, gente? Parem aí para pensar. Você está lá manipulando um treco desconfortável - eu acho (provavelmente, porque, como falante, eu não preciso) - e pergunta “o que você quer lanchar hoje?”, sem expectativa de resposta? Ah vá! Frustrante.
Porém, é importante que a gente saiba que o desconforto é democrático e, não raro, em via de mão dupla. Meu filho, que sabe onde ficam as coisas que ele gosta de comer, certamente prefere responder a essa pergunta indo à fruteira e pegando uma pera. Simples, prático, eficaz. Mas não, tem uma chata que quer que ele clique no desenho de uma pera para, só depois, ir buscar a pera. É o famoso “deixa que eu faço” na língua de Zé.
Óbvio que pode ser também incompreensão da pergunta, mas acho que aos 5 anos, Zé está me entendendo muito bem, pelo menos, em relação ao básico do dia a dia. Exemplos: eu peço para ele tirar a fralda, ele tira; eu peço para ele pegar um objeto no chão, ele pega; eu pego no meu umbigo e pergunto onde está o dele e ele me mostra etc.
Na verdade, existem alguns sinais de incompreensão da pergunta que eu já notei em Zé quando uso o comunicador (tablet) de CAA. Porque, no caso da pera, em geral, ele até aponta, ainda que sem paciência. Mas quando a demanda é muita, quando ele não entende o que eu quero, ele sai apertando tudo que é ícone. O igualmente famoso “chutar até acertar”. Quem nunca?
Entretanto, voltando à expectativa de resposta - ou, melhor, ao treino para não ter expectativa - o que eu faço, quando ele não corresponde, claro, é indicar uma resposta mostrando a ele. Não tem nada de muito novo aqui em relação ao que professores e professoras fazem todos os dias nas salas de aula: respondem às próprias perguntas porque as bênçãos, também chamadas de alunos(as)(es), permanecem impávidos(as)(es) às provocações daquele ser cansado e mal pago.
Assim é uma mãe na CAA. Quer dizer, esta mãe que vos fala - cansada e não paga (mal paga ainda seria vantagem).
Existem crianças que desenvolvem outros comportamentos em relação à CAA e podem ser, assim como o de sair apertando aleatoriamente os ícones, chamados de autoestimulação. Exemplo: a criaturinha empaca num ícone e fica apertando só aquele ícone.
Claro que isso pode ser uma mensagem urgente que ela está tentando passar e os seres falantes por perto não estão entendendo (é muito fácil presumir que a pessoa não falante não entende, mas é igualmente possível que seja o contrário). Então, é bom analisar qual ícone está em repetição, em quais momentos, quem está por perto, enfim, observar o contexto. Pode ser um pedido de ajuda, pode ser uma demonstração efetiva de ênfase de algo que ela gostou muito ou não gostou nadinha.
Ainda que você não entenda, ainda que seja “só” uma busca por estímulo sensorial (a pessoa gosta do som da palavra, ué!), é importante não se frustrar (ou, vamos falar sério? Não demonstrar frustração). Observe, responda da maneira que você entender, ou ainda, atenção aqui, diga que não entendeu. Use o treco incômodo entre vocês para ir mostrando ao seu Zé ou sua Zefa que aquilo ali também serve para comunicar “não sei que porra você tá falando, meu bem”. Terapeutas dirão para evitar os palavrões. Eu não digo é nada porque não quero assunto com o conselho tutelar.
Outra coisa que pode acontecer - essa eu acho bem massa (terapeutas serão contra também) - é a criança, ou pessoa não verbal de qualquer idade, enfim, tamborilar ritmicamente nos ícones. Eu levaria ao conservatório de música. Na impossibilidade, pelo menos, gravaria os sons. Aliás, dizem os especialistas, que isso pode ser uma expressão de tédio. Como a gente faz mesmo tamborilando os dedos numa mesa! Bom, nesse caso, é possível oferecer objetos táteis, porque possivelmente estamos falando de estimulação sensorial, ou mesmo pegar o instrumento musical favorito e dar vazão ao ritmo. Quem sabe?
Além, portanto, de não ficar feito uma pomba lesa repetindo e insistindo numa resposta, é fundamental perceber o que o usuário de CAA comunica ao fazer coisas que achamos “sem sentido” e, inclusive, saber também que esse tipo de comunicação será apenas mais um recurso à disposição da pessoa. Ela não é obrigada a comunicar tudo por meio do dispositivo de CAA. Se Zé levanta e vai pegar o lanche que ele quer, a comunicação diante da minha pergunta inicial sobre o lanche ocorreu, é válida, e that’s all folks.
Essa é outra máxima que vale para muito mais que CAA: a comunicação é multimodal. A gente se comunica de vários jeitos, nossa fala não dá conta de tudo e nem precisa. O mesmo vale para os dispositivos de CAA.
Resumindo muito, então, se você está na luta com esse treco, e você é o parceiro de comunicação de um Zé da vida, lembre-se: dê tempo para uma resposta ocorrer, mas não fique esperando por ela; use a oportunidade para ampliar o vocabulário com várias respostas possíveis - “ih, acabou a pera, vamos comer melão? (clica, ouve a palavra ‘melão’, repete a palavra ‘melão’); aproveite para observar questões sensoriais que precisam de adaptação (o volume do tablet, por exemplo); e, sobretudo, valide o que o usuário está comunicando, mesmo que ele levante e vá buscar a pera dele, eu vou atrás e digo “ah, você pegou a pera” (clico, ouço, repito “pegou” e “pera”).
Aliás, vamos combinar que não criar expectativa de resposta e validar o que as pessoas estão comunicando - especialmente crianças - são atitudes respeitosas que a gente deveria adotar mais, né, não?
A gente se vê na próxima.
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O segredo é não criar expectativas