Roubada de mim
A maioria das pessoas que me lê chegou até aqui por causa das minhas leituras, aulas, debates sobre criminologia, abolicionismo penal, criminalização, direito penal, gênero e raça nos processos de criminalização, violência policial.
E agora eu só falo sobre autismo.
Vocês têm ideia do quanto isso me dói?
Eu sei que a maternidade muda as pessoas, faz uma revolução, etc etc.
Mas a maternidade atípica é outra coisa. É um roubo.
Você é roubada de você mesma. Até hoje eu luto para manter no limite o lugar comum das terapeutas que é: “aqui no consultório são apenas algumas horas, você deve estimular seu filho em casa também”.
Qualquer dia desses perco minha primariedade criminal ouvindo alguma sonsa me dizendo isso. É o mais completo absurdo repetido tantas vezes que todo mundo passou a acreditar. Tem a ver com os primórdios da terapia ABA, sim. E eu já falei para vocês lerem “Outra Sintonia”. Não vou repetir.
Eu me sinto roubada de mim porque o fim do pós-doc está chegando e, com ele, não só eu não sei do que vou viver (atenção: a hora de assinar minha newsletter por 10 reais por mês é agora!), como eu sei que provavelmente é a season finale da minha carreira acadêmica.
E não adianta dourar a pílula: não seria assim se não fosse o autismo. Eu não posso sair por aí viajando para fazer concursos porque não tenho com quem deixar meu filho por dias (minha mãe atualmente não acerta nem as medicações dela, imaginem as dele), nem posso pensar em morar em outra cidade agora porque não aguentaria refazer toda a equipe de terapeutas e começar tudo do zero.
Ainda por cima, apareceu essa síndrome rara no exoma dele e segunda-feira lá vamos nós para o eletroencefalograma para ver se ele não tem epilepsia, mesmo sem ter tido nenhuma crise até o momento.
Entendem? Eu estou desatualizada na minha área e não sei como vou voltar para ela quando o pós-doc acabar. Eu só leio e só falo sobre autismo, exames, síndromes raras, planos de saúde.
Eu devo ser, inclusive, uma companhia muito insuportável para quem tem a felicidade de não ter que lidar com nada disso.
Para piorar tudo, já não sou mais uma jovem. A hora de virar docente em uma universidade federal era agora. Era. Passou.
Enfim, é claro que vocês me verão por aí dando cursos livres de criminologia (se eu conseguir achar público) porque as contas não vão se pagar sozinhas. Mas acho que todo o resto acabou.
É isso. Eu volto com mais um texto sobre autismo fichado da próxima vez.