Como essa é a parte 3, não vou fazer nenhuma retomada das anteriores. Vocês vão me ajudar e ler o que ficou para trás caso sintam dificuldade com a leitura de hoje.
Fato é que, dentre as associações de autistas capitaneadas por um autista nível 1 de suporte, branco, jovem, classe média (todo o perfil de que falávamos ontem…), uma foi parar na 53ª Convenção Nacional da… Unimed.
Isso mesmo, uma das associações que denunciaram a terapia ABA, essa terrível terapia a que mães como eu entregam seus filhos para serem torturados, estava na convenção de um dos maiores planos de saúde do país, um dos que mais é judicializado por negar acesso à terapia, não só ABA, para autistas. Se é verdade que em todo movimento social existe o famoso colaboracionista, o nosso parece ser a Autistas Brasil.
Entendem, agora, porque eu fico puta da cara com os psicanalistas que se apoiam nas falas dos autistas nível 1 de suporte, que ficam traduzindo fórum online de adolescente americano, para sustentar disputa entre abordagens ou perspectivas terapêuticas?
É desonesto. O dossiê entregue pela Abraça, Vidas Negras com Deficiência Importam e Autistas Brasil, como muitas famílias de autistas nível 2 e 3 de suporte e vários profissionais avisaram, disseminou efeitos perniciosos que autistas nível 1 de suporte não sofrerão e parecem não se importar, desde que seja resguardado a eles um lugar de poder, mais do que de fala, na chamada “comunidade autista”.
Quase ao mesmo tempo, a Agência Nacional de Saúde (ANS) emitiu uma normativa que desobrigou os planos a cobrir ABA realizada na escola e em domicílio. Agora, tem que ser inteiramente em clínica. O problema é que a ABA se caracteriza por quase não acontecer em clínica, mas nos ambientes naturalísticos da criança, ou seja, casa e escola. Na prática, o que a ANS fez foi autorizar os planos a não custear ABA.
Como se fosse pouco, o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais emitiu uma orientação para que as instituições de ensino superior do estado não aceitem como estágio, nos cursos de Psicologia, as atividades desenvolvidas por Acompanhantes Terapêuticos.
Os argumentos?
Os mesmos de quem está lá aparelhando o MEC: escola não é espaço terapêutico; a psicologia não pode suprir os problemas estruturais da Educação; a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) fala de “profissional de apoio escolar”, não fala “terapêutico”, entre outras bobagens e desvios de conversa.
Afinal, se a escola é lugar de inclusão e as pessoas com deficiência demandam cuidados terapêuticos, ela deixa de ser um lugar de inclusão se não for um espaço também terapêutico. Os profissionais do CRP MG defendem escolas separadas para autistas?
Diante de problemas estruturais, os profissionais do CRP de Minas Gerais sempre se portam como avestruzes? Ou é só quando o problema é com autistas? Sim, porque se eu alego um problema estrutural para não fazer nada, eu me desresponsabilizo de qualquer ação alegando o caráter estrutural do problema, eu sou o próprio avestruz. Honestamente, esperava mais de um CRP.
Por fim, aí eu dificilmente acho que é um problema de diversidade de perspectiva - porque sabemos que o pano de fundo de tudo isso é uma luta entre psicanálise e behaviorismo - a explicação do CRP MG ignora que existe a Lei Berenice Piana, voltada especialmente para inclusão de autistas, e que fala de acompanhante especializado, logo, não se pode, simplesmente, como quer a Altíssima Corte de Psicólogos do Pão de Queijo, entregar a inclusão escolar dos autistas a pessoas que possuam apenas nível médio (sim, isso está no documento do CRP).
Qual é o próximo passo? Bom, eu acredito que vários CRPs vão copiar, caso os profissionais da Psicologia, as famílias, os estudantes de Psicologia, não façam nada. Por fim, vai chegar ao Conselho Federal. E o impacto disso é que estudantes precisam estagiar. É que existem estágios escolares porcos por aí que não chegam aos pés da experiência como Acompanhante Terapêutico/Especializado de um autista na escola. É também a mensagem de que o CRP MG é contra a terapia ABA.
E assim começamos mais uma semana desoladora, ansiosa e com o horizonte nublado, depois de ter acordado às 4 da manhã porque a criança autista nível 2 (ou 3, vai saber) de suporte teve mais uma crise de distúrbio de sono. Estamos indo para a terceira semana sem ABA, em período de transição para outra supervisora, depois do abandono da anterior.
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