Demorou mas chegou… Lá vai.
Texto: AUTISMO: HISTÓRIA DE UM QUADRO E O QUADRO DE UMA HISTÓRIA
Autores: Marina Bialer , Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4650-5138; Rinaldo Voltolini Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4842-7962.
- O texto procura questionar a verdade científica sobre o autismo trazendo outros discursos que também se propõem a definir o espectro, inclusive os discursos dos próprios autistas.
- A primeira parte do texto é toda dedicada a questionar o status de verdade absoluta que a ciência toma para si. A partir das contribuições de Lyotard, Freud, Lacan, os autores chamam a atenção para a forma como a psiquiatria se “dobrou” à pluralidade do quadro autista, admitindo no diagnóstico noções como transtorno e espectro que são, segundo eles, necessariamente plurais.
Curioso que um discurso tão afeito aos termos denotativos, como o científico, escolha uma palavra tão conotativa para nomear e descrever um quadro nosográfico. Talvez isso testemunhe certo embaraço ainda encontrado na definição de um quadro que reúne sujeitos tão diversos em sua constituição que mal se prestam a serem reunidos num mesmo e único quadro. Um conceito fantasma? (p. 05)
- Na segunda parte, muito ancorados no livro Outra Sintonia, os autores contam a história do diagnóstico do autismo, que interpretam como nascido das trocas entre o psiquiatra Kanner e a mãe de Donald Triplett, o caso 0 do autismo nos EUA.
- Eles destacam como, a princípio, o psiquiatra era alguém que fornecia palavras de conforto a essa mãe, Mary, e informava a ela que o quadro de seu filho era diferente de tudo que ele já tinha visto como psiquiatra. Até que, em algum momento, ele começou a identificar outras crianças com características parecidas, marcadas pela tendência à solidão e à repetição, e que Kanner primeiro chamou de distúrbios autísticos de contato afetivo.
- De uma relação de parceria com a mãe, Kanner e outros pesquisadores, influenciados pela psicanálise, passaram a identificar a causa do autismo em um defeito da maternagem. O principal nome dessa leitura do autismo foi Bruno Betellheim. Os autores destacam que no livro Outra Sintonia já se chamava a atenção para o fato de que o autismo só ganhou “popularidade” quando foi relacionado à frieza das mães.
- É entre mães (e também pais) que surge um movimento de apoio mútuo, liderado por Ruth Sullivan, mãe de sete filhos, apenas um autista, que começa a ser questionada a tese psicanalítica da “mãe geladeira” causadora do autismo do filho.
- As buscas pela causa do autismo se voltam, então, para vários fatores, que vão desde a alimentação até as vacinas. Bernard Rimland, cientista que possuía um filho autista, foi um dos que apostou na alimentação como explicação para o autismo. Ele também mudou a maneira como as mães eram vistas: mulheres exaustas, dedicadas, mas perdidas com a indiferença do filho autista aos seus esforços.
- A partir desse momento, ganham força os relatos, as biografias, os encontros de pais e mães de autistas, que passam a se organizar e construir um discurso e uma identidade – “pais de autistas” – marcada pela heroicização, mas também pela horizontalidade dos conhecimentos produzidos.
- Os autores destacam que o método ABA, do cientista Ole Ivar Lovaas, é um grande exemplo de tratamento que ganhou impulso porque foi abraçado pelas famílias de autistas, principalmente dos autistas de baixo funcionamento, tornando-se, ao mesmo tempo, uma terapia e um movimento parental.
- Uma nova narrativa sobre o autismo vai falar, então, de cura e prevenção, esta por detecção genética. Desse modelo biomédico, emerge o autismo como uma deficiência. Mais recentemente, movimentos pela neurodiversidade defendem o autismo como uma forma diferente do cérebro se conectar e são baseados em biografias de autistas.
- No Brasil, boa parte do que se publica sobre autismo vem do campo da neurociência. Muita coisa é tradução e não tem relação com a realidade brasileira. Além do mais, as publicações destacam a falta de serviços especializados para autistas e não falam do que já existe.
Privilegia-se uma visão única do autismo representado como um distúrbio neurológico, que teria uma única abordagem eficaz, da qual autistas e pais seriam privados pela insuficiência do governo em assegurar seus direitos de cidadão, e pela incompetência dos profissionais e pesquisadores brasileiros, defasados em relação à pesquisa e à prática internacionais eficientes, culminando no aumento das tensões que desembocaram nas atuais “Guerras do Autismo no Brasil” (Ortega, Zorzanelli, & Rios, 2016, p. 68), abarcando todos os envolvidos (p. 11).
Observações pessoais:
Detestei o texto, como detesto tudo que fala dos movimentos pela neurodiversidade e de biografias de autistas, ou de autistas falando por si mesmos, ou de “lugar de fala” de autista, e OMITE que são movimentos, biografias e lugares de fala de autistas nível 1 de suporte, com altas habilidades, verbais – não, pera, super verbais – com superdotação e o escambau, como o exemplo citado no artigo, a Temple Grandin (que é uma figura ótima, tem o filme sobre a vida dela, que eu recomendo, o livro dela também é ótimo, mas é uma autista PhD em zootecnia que mudou a forma de abate de gado nos EUA, vamos combinar!). Aí, quer dizer, fala-se da narrativa do autista por ele mesmo, cita-se a Temple Grandin, e omite-se que ela – assim como os seriados da advogada fantástica, do good doctor – são os autistas socialmente aceitos, até celebrados.
Porra, aí não dá. Eu também faço crítica à ciência e seu estatuto autodeclarado de verdade única (acho uó o livrinho da Pasternak, por exemplo). Só que para confrontar o reinado da verdade científica com outras – narrativas – é preciso ser honesto. Se foi feita a opção de colocar no mesmo balaio diagnóstico gente que não consegue cagar e mijar sem ajuda de outra pessoa e gente com PhD em zootecnia, então, o texto teria que admitir, pelo menos, que existem autistas que são deficientes e autistas que não são. Isso precisa ser dito sempre porque o nível de confusão é grande! E textos como esse querem opor uma coisa à outra, como se o modelo médico que aponta a deficiência fosse falseamento, preconceito, “do mal” e as narrativas autobiográficas dos autistas de alto funcionamento fossem grandes verdades reveladas (ou seja, troca 6 por meia dúzia, na medida em que só muda A Verdade de lugar).
Vem cá, meu bem, lidar com autista nível 2 ou 3 de suporte com diferença cognitiva de 3 anos em relação aos seus pares, aí depois você me diz se descarta o modelo biomédico da deficiência…
Enfim, eu continuo pela separação dos níveis 2 e 3 de autismo em outra categoria – podem chamar do que quiserem, podem ficar com o nome autismo como identidade para o nível 1, whatever – o que não é mais possível é esse papo mole de que vai confrontar a ciência e apresentar biografia de autista superdotado para fazer isso em prejuízo dos autistas com sérios comprometimentos cognitivos, motores, sensoriais, etc etc etc
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