Corra e olhe o céu
… que o sol vem trazer, bom dia.
Insisto nos versos do Cartola para encarar mudanças difíceis.
Se nunca fui otimista, hoje sou mãe.
Mãe é bom dia. É tantos recomeços quanto forem necessários.
Numa das últimas avaliações periódicas de Zé, divididas em áreas ou domínios do desenvolvimento infantil, eu me deparei com este gráfico:
Eu não acredito que nenhum de vocês que me lê agora - salvo no caso de pais e mães de crianças atípicas - tenha qualquer dimensão do que é ver o domínio cognitivo do seu filho, já muito distante do mínimo previsto para uma criança da sua idade, começar a despencar nos últimos 5 meses. Vejam, não estabilizou, não caiu um pouco, entre 48 e 53 meses, há uma ladeira apontando para baixo.
Recebi esse gráfico sem nenhuma explicação, sem nenhum acolhimento, sem nenhuma proposta do que fazer. Nada. Apenas recebi. Como, felizmente, aprendi a ler gráficos - e esse não é muito difícil - questionei e levantei hipóteses diante da terapeuta responsável. Claro, nenhuma delas capaz de dar explicação causal, mas possíveis correlações, pistas, enfim, tentar achar respostas para… o que diabos estava acontecendo?
Sei que meu filho tem uma síndrome rara e nebulosa, já que no Brasil são apenas 20 diagnosticados e essa curva pode, sim, ser um declínio cognitivo como manifestação sindrômica, embora, seja bastante cedo para um quadro regressivo, mas, vá lá, síndrome rara e quase desconhecida. Hipótese 1.
Como a hipótese 1 está completamente fora do meu alcance verificar, e domínios como motricidade ampla apresentam o oposto dessa curva, ou seja, ganhos ascendentes e significativos, comecei a especular - sozinha, sem ajuda profissional - o que havia ocorrido nos últimos 05 meses da vida do meu filho.
Troca de escola. É uma baita mudança. Poderia explicar muito, poderia explicar tanto. Porém, não temos nada que indique problema de adaptação de Zé na escola nova. Pelo contrário, os sinais são positivos. Da alimentação em um ambiente diferente da casa à participação nas atividades escolares. Ainda assim, vamos registrar, mudança de escola.
Mudança de acompanhante terapêutica (AT) na escola, com o adendo da inexperiência da jovem que, certamente chegou para somar à terapia ABA de Zé, mas como não sabia lidar com a Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), atrasou um pouco o uso desse método na escola. Além dos manejos gerais da ABA que ela ainda estava aprendendo.
Bem, foi isso que consegui pensar, porque em casa não tivemos mudanças e, claro, eu jamais excluo da lista o imponderável, impensável, inexplicável, afinal, assim é a vida.
Expus minhas ideias à terapeuta e ela não disse que sim nem que não, muito pelo contrário. Sabem como é? Um sabonete dove molhado seria mais seguro. Achei estranho diante de um gráfico tão avassalador.
Como eu conheço a equipe de ATs da terapeuta, fiquei me perguntando do porquê, depois de 2 anos de “casa”, meu filho era quem pegava a AT escolar menos experiente em CAA, quando eu sabia que existiam na clínica pacientes com ATs experientes trabalhando em escolas e que dominam CAA.
Vejam, não é que meu filho merece mais que os filhos alheios. É que nesse momento (olhem pra cima! olhem o gráfico!) uma atitude urgente se fazia necessária e tudo que eu recebi foi um “vou mandar fulana para treinamento”. Como se os próximos 5 meses do meu filho não estivessem imediata e urgentemente em jogo.
Como nada do que Zé precisa me constrange, procurei a sócia da clínica com a qual estou acostumada a lidar sobre assuntos financeiros e perguntei quanto era preciso pagar para ter uma AT experiente em CAA com meu filho na escola. Obviamente, ela negou que fosse uma questão de dinheiro.
Passadas duas semanas, a terapeuta, que não deu resposta ao gráfico, não o explicou, não deu a devida importância ao que está ali expresso, entrou em contato comigo para que eu procurasse uma outra clínica, porque a bonita, do alto de sua autoridade com um diploma de uniesquina e uma pós lato sensu de CBI of Miami (aqui, desculpa gente, mas só a galera do autismo vai entender), sentiu-se ofendida ou sei lá o quê por eu ter conversado com a sócia dela. Isso quando previamente eu conversei com ela e ela encaminhou vários nadas. O discurso é que se tratava de uma questão de ética.
Ética: deixar meu filho sem terapia em quase outubro, quando todas as demais terapeutas da cidade estão com agenda cheia. Ética: enquanto funcionava numa salinha mofada ali no centro da cidade, nunca deixou de me explicar um gráfico, mas com consultório no bairro de classe média, talvez já não precise. Ética: insistir umas 50 vezes em “não estou abandonando o caso”, para formalmente se garantir diante de uma acusação do tipo, quando obviamente se tornava inviável eu manter a relação terapêutica do meu filho com uma equipe enquanto procurava outra, porque eu sou uma só. Um corpo só, uma mente só, e a minha exaustão de acompanhar uma coisa e procurar outra importa.
Sim, é preciso regulamentar ABA no Brasil. É preciso formação acadêmica decente. É preciso protocolo de comitês de ética (!!!) nos conselhos profissionais ou algo do tipo. É preciso regulamentar o trabalho das Acompanhantes Terapêuticas que estão ganhando em torno de R$40,00 a R$ 45,00 a hora para exercerem um trabalho delicadíssimo para o qual, muitas vezes, não estão preparadas. É preciso mais gente com mestrado e doutorado em análise do comportamento (e se vocês ouvirem que academia se opõe ao mercado, vejam o que quem não vai para a academia está fazendo no mercado…). É preciso mais gente na ABA.
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